SAPATILHA ESPÍRITA



“... Sim, certamente o Espiritismo abre á arte um campo novo, imenso e ainda inexplorado; e quando o artista reproduzir o mundo espírita com convicção, haurirá nessa fonte as mais sublimes inspirações, e o seu nome viverá nos séculos futuros, porque às preocupações materiais e efêmeras da vida presente, substituirá o estudo da vida futura e eterna da alma.”
Allan Kardec

domingo, 31 de maio de 2009

DANÇA ESPÍRITA: O QUE SABEMOS ?

por Denize de Lucena[1]




Esperançosos de que também a dança, se faça colaboradora deste sublime momento de ascensão da arte divinizada, que como bem previu o insigne codificador (1995, p. 327) "em breve, vereis os primeiros esboços da arte espírita, que mais tarde ocupará o lugar que lhe compete", iniciamos nosso diálogo sobre esta linguagem que tanto nos encanta.

Antes de polir a pedra e construir abrigos, os homens já se movimentavam ritmicamente para se aquecer e comunicar.
Considerada a mais antiga das artes, a dança é também a única que dispensa materiais e ferramentas. (...) As danças coletivas também aparecem na origem da civilização e sua função associava-se à adoração das forças superiores ou dos espíritos para obter êxito em expedições guerreiras ou de caça ou ainda para solicitar bom tempo e chuva. (...) No antigo Egito, 20 séculos antes da era cristã, já se realizavam as chamadas danças astroteológicas em homenagem ao deus Osíris. O caráter religioso foi comum às danças clássicas dos povos asiáticos. (ANDRADE, 2000)


Ligada ao homem e ao sagrado, a dança não raro, está presente nas manifestações ritualísticas de quase todas as civilizações antigas e se mantém viva, em muitos agrupamentos religiosos da contemporaneidade. Desde o aparecimento do próprio homem, há registros de sua presença nas pinturas rupestres e nas primeiras grandes civilizações como Grécia, Índia e Egito. De caráter mágico, logo passou a ser conduzida por iniciados e sacerdotes, sendo geralmente circular e coletiva.

(...) na medida em que a arqueologia consegue traduzir as inscrições dos "povos pré-históricos", ela nos indica a existência da dança como parte integrante de cerimônias religiosas, nos permitindo considerar a possibilidade de que a dança tenha nascido a partir ou de forma concomitante ao nascimento da religião. (MOURA, 2007)

Após um longo período de isolamento e proibições durante a Idade Média, a dança foi resgatada pelas cortes da Itália renascentista, dando-lhe um caráter de virtuose, passando a ser executada em pares. Sua crescente lapidação e exigência técnica deram origem ao ballet clássico e à profissionalização desta arte. Iniciado na Itália, desenvolvido em França e aprimorado na Rússia, o ballet, devolveu à mulher a possibilidade de participar da dança, dando-lhe o tom sublime, leve e puro da mulher-princesa, da mulher-divina, da mulher-amada que irá permear o ballet de repertório[2].
As mudanças ocorridas no século 20, em especial na sua segunda metade, causaram transformações em vários setores da sociedade, inclusive o da dança, fazendo nascer diversas categorias e técnicas. Nomes como Isadora Duncan, George Balanchine, Pina Bausch, Martha Graham e Rudolf Laban, dentre muitos outros, irão colaborar para o desenvolvimento e a profissionalização da arte da dança.
Para nos orientar no estudo do nosso objeto em questão – a dança espírita – vamos começar por um conceito. Como a definição comum de adjetivo é palavra que qualifica o substantivo, podemos entender aqui, que espírita agrega qualidade à dança. Assim, vamos defini-la como a dança pensada e executada com objetivos ligados à Doutrina Espírita. Embora Kardec não tenha frisado em suas obras referência expressa à dança, podemos e iremos certamente tomar para esta tudo o que foi dito a respeito da arte e da inesgotável fonte de inspiração que lhe se tornará o mundo material e espiritual, sob a ótica Espírita.

Sem dúvida, o Espiritismo abre à arte um campo inteiramente novo, imenso e ainda inexplorado. Quando o artista houver de reproduzir com convicção o mundo espírita, haurirá nessa fonte as mais sublimes inspirações e seu nome viverá nos séculos vindouros (...) (KARDEC, 1995, p.159)

As páginas na literatura espírita referentes à dança são esparsas mas valorosas, como os bailados graciosos que espargiam feixes de luzes multicores, descritos por Camilo Castelo Branco no conhecidíssimo "Memórias de um suicida" de Yvonne do Amaral Pereira ( pp. 552 – 554 ) e a dança emocionante de Isadora Duncan (espírito), relatada de maneira empolgante pelo jornalista e dramaturgo Silveira Sampaio, em Pare de Sofrer ( pp. 94 – 97 ). [3] Pinceladas de atuações da dança no plano espiritual, que nos revelam a utilização desta linguagem como instrumento para manipulação de energias e seu emprego com finalidade terapêutica.

A sala escureceu e o silêncio se fez. A pesada cortina desapareceu e em meio à escuridão do palco surgiu uma névoa prateada que foi crescendo e aos poucos tomando uma forma de mulher. (...) Formas coloridas de pessoas com seus instrumentos dançavam no ar (...)
(...) Ela começou a dançar e dela emanavam luzes coloridas (...), expressando sentimentos de luz e beleza tão elevados que energias coloridas e luminosas nos atingiam e emocionavam sensibilizando-nos a alma.
(...) Quando terminou e ela curvando-se acenou adeus, da platéia silenciosa e extasiada saiu uma energia de um rosa brilhante misturada ao lilás suave, que a abraçou com carinho. (...) pude ver que nos olhos dela, brilhantes de emoção, duas lágrimas rolaram qual pérolas de gratidão e de amor. (SAMPAIO, 2002, pp. 96 – 97)

Quem já passou pela experiência da dança, sabe o quanto de energia se consegue perceber e emanar daquele que dança. Distante da razão da arte dramática e mais próxima da subjetividade da música, a dança materializa as energias e as faz movimentar, potencializando-as com as energias provenientes do próprio ser e dialogadas com as daqueles que o observam.

Ele (o perispírito) vibra aos menores impulsos do espírito e transmite ao corpo físico as vibrações forçosamente reduzidas. (...) A correlação entre os dois envoltórios: físico e perispiritual, diz respeito a uma lei única, a das vibrações. (DENIS, 1994, pp. 96 - 97)

O dançarino espírita, consciente desta lei, desenvolve seus movimentos como um maestro que rege a orquestra da natureza. Não são apenas sinestésicos, mas energéticos. Iniciam-se nos seus próprios centros de força, irradiam-se entre si, potencializando-se e ampliam-se, ocupando os espaços da apresentação em um diálogo vibracional entre palco e platéia. Ao dançar, o dançarino espírita pinta no ar com tintas de luzes coloridas e fluidos que mobilizam os sentimentos que escolheu e lapidou durante os ensaios. A música o auxilia na materialização destas forças que envolvem a si e à platéia. Daí o cuidado que se deve ter na escolha do repertório musical.
A música espírita não é, sem dúvida, a única opção mas certamente facilita a criação do coreógrafo e a execução dos dançarinos espíritas pois que, de igual objetivo, já traz em si a temática e a vibração adequadas à visão espírita. Outra razão para a preferência pela música espírita é a sua quantidade e qualidade cada vez maior, além de estarmos também colaborando para a sua divulgação. Como nos diz a equipe de dança do site Evangelizar "Se nós que somos artistas espíritas, se nós que somos bailarinos e coreógrafos espíritas, não falarmos de temas espíritas em nossas coreografias, quem falará por nós?"[4]
Multiplicam-se músicos, intérpretes e grupos[5] com CDs lançados ou não, com músicas mediúnicas ou não, que podem e devem ser utilizadas pelos grupos e solistas da dança espírita, somando assim para um verdadeiro trabalho de socialização da arte espírita, ainda tão pouco conhecida do nosso público. Outro aspecto que gostaríamos de abordar sobre a dança (também presente nas demais linguagens da arte espírita) é o trabalho atuante da espiritualidade, com os encarnados e desencarnados durante as apresentações.

Espetáculos, sinfonias, apresentações são utilizados assim como instrumentos cirúrgicos a repararem simultaneamente os corpos etéreos daqueles que ali se encontram, arrebatando do fundo de suas almas, o reconhecimento da filiação divina a que têm vínculo e herança. (BENTO, 2002)

Ao dançar[6], fazemos do nosso corpo o instrumento para as notas da espiritualidade. E porque não há espaço para racionalizar, nos fazemos instrumentos quase perfeitos, espécies de refletores de energias que nos envolvem e envolvem a todos no ambiente. Todas as atividades desenvolvidas pelos agrupamentos espíritas são utilizadas pela espiritualidade para desenvolver ações educativas, reconfortadoras e/ou terapêuticas. A música, já utilizada em algumas de nossas casas para ambientação nos momentos de prece, meditação, de preparação para o passe ou para os trabalhos mediúnicos é um dos muitos exemplos que podemos citar da utilização das energias potencializadas pela atividade artística, empregadas pelos benfeitores espirituais. Algumas casas já utilizam oficinas de artes simultaneamente às atividades mediúnicas, por orientação da própria espiritualidade, como forma de terapêutica espiritual. Além da utilização da arte junto às atividades da infância e juventude, pela maioria de nossas instituições.
Quando o homem houver desligado-se das imagens e sensações terrenas, através do intercâmbio e das visões do mundo espiritual, das esferas onde a alegria, a harmonia e a paz reinam, refletirá em seu corpo espiritual e este imprimirá no soma as energias divinas e harmônicas do Universo. A dança será então, como já o é em esferas sutilizadas, um cântico de louvação fisicalizado em luzes e formas, emitindo irradiações salutares e terapêuticas, unindo almas em sintonia com os benfeitores e elevando o ser ainda mais, a planos de sutilíssimas harmonias. (ARIEL, 2003)

A dança espírita, como qualquer outra atividade em nossas instituições, exige comprometimento e dedicação, companheirismo e estudo, harmonia e auto-educação. Não está limitada àqueles que possuem conhecimentos técnicos e corpos amadurecidos pela técnica, mas sem dúvida, é de grande importância ter pelo menos a orientação de alguém que conheça alguma das técnicas de dança, os elementos básicos desta linguagem e noções de composição coreográfica para que se dê a qualidade mínima para um trabalho que se pretende, seja respeitado e apoiado pelos companheiros espíritas.
A continuidade, já nos dizia Kardec (2007, p. 25), é característica de um estudo sério. Assim também deve ser com o trabalho da arte dentro das lides espíritas. Deve se ter claros os objetivos, ter um programa de pelo menos médio prazo, com regularidade de encontros, exercícios de preparação corporal que possam dar sintonia e sincronismo entre os elementos do grupo, proporcionar instantes de estudo da linguagem sempre buscando as conexões com as bases doutrinárias, avaliações freqüentes do trabalho do grupo mas também do crescimento e amadurecimento dos seus componentes na linguagem e na Doutrina.
Dançar, se dança em qualquer lugar, para fazer aulas de dança e se apresentar, há uma centena de academias e escolas em qualquer cidade deste país, não é necessário estar em um centro espírita. Mas se a minha escolha consciente é reunir o prazer de dançar com o conhecimento que a Doutrina Espírita despertou em mim, e fazer desta união a minha atividade na seara do Cristo, aí sim, eu vou participar de um grupo de dança espírita.

Ah... minha bailarina
Seu desafio é crescer
Antes do que você pensa
A luz mais intensa virá de você[7] (César Tucci)

Deixamos aqui o convite para que possamos estimular o fazer e o pensar a dança espírita em nossas instituições, eventos e atividades, no intuito de incentivar grupos e companheiros no envolvimento com a dança, revestida das sutilezas da nossa Doutrina, aproveitando toda a sua potencialidade no desenvolvimento do homem novo que tanto aguardamos. É necessário que aqueles que ainda timidamente atuam nesta área possam trocar experiências, somando e multiplicando para que possamos ver com maior freqüência a dança espírita no nosso meio e além. E se perguntarem por onde começar, a resposta será simples: pelo começo. Reunir aqueles cujo interesse pela dança espírita seja ponto em comum, é um excelente iniciar.
O que dançar, como dançar, quando dançar, onde dançar, com quem dançar e todas as demais questões que por ventura possam estar acolhidas nos corações espalhados pelo Brasil, são questões que se auto-responderão quando a ação do QUERER DANÇAR for o móvel dos nossos encontros. Abrir espaços dentro e fora de nós, é de hora, o mais que suficiente. Utilizar todos os veículos, a internet, as listas, grupos, orkut, msn, produzir e divulgar vídeos, artigos, diários com as experiências já realizadas e as inquietações presentes, promover e estimular a promoção de mostras, encontros e festivais que possibilitem a troca e a qualificação dos que fazem ou querem fazer dança espírita, são caminhos que necessitam ser multiplicados em nossas cidades, estados e em todo o país. Precisamos buscar palcos que abriguem nossos ideais e fazer da dança espírita mais uma bandeira para a construção da nova era.
Quem me dá a honra desta contra-dança?!

Denize de Lucena
(Salvador, Ba)
denizedelucena@terra.com.br



Bibliografia:

§ Andrade, Dyone. Quem dança é mais feliz. - A História da Dança. Disponível em: http://br.geocities.com/quemdancaemaisfeliz/interna1.html Acesso: 16/06/2008
§ ARIEL. (espírito) Dança, vibração da alma. Mensagem psicografada. Arquivo da Comunidade Arte e Paz. Salvador, 2003.
§ BENTO. (espírito) Caridade, Arte e Beleza. Mensagem psicografada. Arquivo da Comunidade Arte e Paz. Salvador, 2002.
§ DENIS, Leon. O espiritismo na arte. 2a. ed.Niterói, RJ: Lachâtre, 1994.
§ KARDEC, Allan - tradução Guillon Ribeiro. Obras Póstumas. 27a. ed. Brasília: Editora FEB, 1995.
§ KARDEC, Allan - tradução Salvador Gentile. O Livro dos Espíritos. 169a. ed. Araras, SP: IDE, 2007.
§ Moura, Prof. Dr. Manoel Oriosvaldo de (Org.) - Faculdade de Educação – USP. Metodologia do Ensino de Matemática - História da Dança. Disponível em:
http://www.passosecompassos.com.br/matedanca/historiadanca.htm
Acesso: 16/06/2008
§ SAMPAIO, Silveira (espírito).GASPARETTO, Zibia (médium). Pare de sofrer. 12a. ed. São Paulo: Vida e Consciência, 2002.

[1] Licenciada em Artes Cênicas pela UFBa - BA, Pós-Graduada em Supervisão Escolar pela Cândido Mendes –RJ, espírita desde 1995, integrante da Comunidade Arte e Paz – Ba.

[2] Histórias compostas para ballet. Ex.: O quebra-nozes, A bela adormecida e O lago dos cisnes, de Tchaikovsky; Coppélia, de Léo Delibes; Gisele, de Adolphe Adam; Romeu e Julieta, de Prokofiev; dentre outros.
[3] Ver bibliografia.
[4] http://www.evangelizar.org.br
[5] podemos sugerir ainda o site http://www.musicexpress.com.br/Genero.asp?genero=33 e http://www.cvdee.org.br/ev_musica.asp onde podem ser encontradas várias músicas espíritas.
[6] É claro que me refiro aqui a uma dança específica, a uma dança que busca a beleza e a elevação.
[7] Trecho da música "bailarina" de César Tucci. ( tucci@francanet.com.br )

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